Apresentação - Por Maria Helena Elpídio
- Amanda Borges
- 4 de dez. de 2023
- 3 min de leitura
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância,
o eco da vida-liberdade.
Poema Vozes-Mulheres- Conceição Evaristo
Acredito que nada acontece ao acaso quando construímos e recontamos as “histórias que a história não conta”. Esta apresentação foi escrita em um 20 de novembro. Dia de recompor as memórias de liberdade, resistência e vida que ecoou do quilombo de Palmares. Tempo de reverenciar a força ancestral de Zumbi, Dandara, Aqualtune e tantos heróis e heroínas da história, apagados e silenciados por uma sociabilidade pautada pelo racismo que funcionou e funciona como arma funcional ao desenvolvimento e manutenção do capitalismo (MOURA, 1994).
A primeira edição do Guia de estudos antirracistas para assistentes sociais e demais interessados/as/es, é fruto do trabalho coletivo do Projeto de Extensão Práxis Antirracista (UFSC) e chega como um instrumento acadêmico-político necessário à luta emancipatória. Traz uma inovadora iniciativa de apresentar aos leitores, um cuidadoso levantamento e sistematização de referências para discutir o racismo, a branquitude, os quilombos, as populações indígenas e migrantes. Este material cumpre algumas tarefas importantes do nosso tempo. A primeira, é evidenciar que temos sim, um conjunto de produções no campo crítico que ajudam a desvelar o racismo, suas marcas e como este segue deixando um lastro de violência e desumanização sistemáticas nas relações sociais, oriundas de uma formação social que tem no escravismo e no colonialismo as entranhas de um país cujas classes dominantes exploram, oprimem e exterminam em diferentes momentos e contextos os povos originários, pessoas negras escravizadas e supostamente “livres” como um fenômeno naturalizado nas páginas da sua história.
O segundo mérito que se destaca é mostrar que nestas referências, o debate clássico se coloca em movimento, inspirando novas produções de experientes e jovens pesquisadores envolvidos em apontar os desdobramentos do racismo que comparecem nas desigualdades sociais, econômicas, políticas e territoriais como marcas de uma sociedade que tem na cor da pele, um dos dispositivos principais de hierarquização das classes sociais, do gênero e etnicidade que conformam a divisão social, racial, sexual e territorial do trabalho, em especial, em países de economia dependente.
Por fim, destaco a relevância da apropriação e análise do racismo enquanto componente estrutural das relações sociais contribui visceralmente para a conformação da questão social. Portanto, este debate urge para o fortalecimento do projeto ético-político no serviço social. Obras que ajudam o reposicionamento de estratégias de resistências e organização da classe em movimento. Daí, o antirracismo se apresenta como tônica, passo e compasso, onde o negro (e outras etnias) são vistos na sua condição de sujeitos. Ao se movimentarem na luta pela terra e na manutenção de práticas apoiadas em outras formas de produção e socialização da vida, em quilombos, comunidades originárias e tradicionais, tais sujeitos colocam na encruzilhada a ordem destrutiva do capital.
Ademais os textos indicados, estão na agenda do dia e contribuem ainda para o diálogo do antirracismo em tempos de crise do capital, como um dos elementos primordiais para o enfrentamento das forças neoconservadoras, que insistem em negar as evidencias de que o Brasil é um país racista, retroalimentando o Mito da Democracia Racial denunciado por intelectuais como Florestan Fernandes, Abdias Nascimento, Lélia Gonzáles, Clóvis Moura e tantos outros que vêm construindo o movimento negro brasileiro.
As aproximações da literatura aqui indicada nos ajudam a compreender os “porquês” dos ataques aos terreiros, quilombos, terras indígenas. Assim como a crescente exploração da força de trabalho migrante, a intensificação das formas de militarização da vida e como estas se articulam na disputa ideológica de apagamento da memória e resistência destes segmentos, promovidos na atualidade, pelo avanço do assistencialismo neopentecostal e da lógica meritocrática da teologia da prosperidade. Com isso, os fundamentalismos se opõem às diversidades, criando uma espécie de “pensamento único” como afirma Chimamanda Ngozi (2021).
As palavras de Conceição Evaristo na epígrafe desta apresentação foram especialmente escolhidas por representar o movimento coletivo que alimentou as bases para este trabalho das pesquisadoras e estudantes do Projeto Práxis. Revela a importância de se caminhar a partir dos “passos que vêm de longe” e certamente avançam de uma geração para a outra. Assim tem sido na história que agora podemos contar.
Nesta perspectiva, o Guia de estudos antirracistas para assistentes sociais e demais interessados/as/es, vem ao encontro dos esforços coletivos que a profissão por meio da formação e da pesquisa vêm acumulando no debate étnico-racial. Este movimento, que coloca também as Entidades Organizativas do Serviço Social brasileiro na direção do trabalho e da formação antirracistas, mostram mais uma vez, a pertinência deste material que chega a suas mãos.
Aqui se encontra um conjunto de fontes de forma versátil, confiável e acertada com indicações referenciadas de livros, teses, dissertações, artigos e periódicos que certamente poderão contribuir para novos estudos, disciplinas, desenvolvimento do trabalho profissional e militância de diversas áreas do conhecimento que se propõem a uma Práxis antirracista e emancipatória.
Comments